domingo, 15 de março de 2009

Panorama da crise II

Este texto é continuação de algum anterior
Existe hoje enquanto sistema econômico, somente o capitalismo [Não é admissível dizer de uma China comunista, sobretudo nos dias de hoje, nem referir-se ao moribundo sistema cubano. ], mesmo que em modelos diferentes. Capitalismo selvagem, capitalismo regulado por uma social democracia, mas ainda um capitalismo. Estamos mergulhados em uma crise mundial, que afeta milhões de pessoas, direta ou indiretamente. Claro que não é mais hora de evocar a ressurreição de um anacrônico comunismo, nem tampouco de um socialismo, mas certamente é hora de rever os posicionamentos ante ao capitalismo. Vamos apontar a elevação especulativa desnorteada por qual passou nosso ainda reputado, por falta de alternativa, capitalismo.

Comecemos por Marx e sua denúncia da “Mais-Valia”: Não era bastante para o capital ganhar em escala de produção industrial, nem mesmo somando-se a uma cotidiana margem de lucratividade, sem contar com o repasse de impostos do custo para o preço. A voracidade recaia sobre o trabalhador. O trabalhador, com jornada de cinco a seis horas já seria suficiente para manter cheios os bornais burgueses, mas estes eram obrigados a uma jornada muito maior, numa prática que tinha por vistas: lucro oriundo de todos os cantos possíveis.

Outro é o caso da elevação abstrata do dinheiro. Hoje colocamos a mão nos bolsos e no mais das vezes temos somente alguns poucos trocados, pois, na verdade podemos tudo comprar e nos servir tendo o mágico cartão de crédito ou de débito que, como uma varinha de condão, a nos apresentar toda sorte de produtos, necessários ou não ao nosso consumo. De fato, se um percentual até pequeno quiser sacar a totalidade de seu saldo bancário, não vai haver dinheiro em espécie para repartir entre todos. Aquele objeto concreto, a moeda física ou nota que já tinha certo grau de abstração foi substituído por outro ainda mais abstrato: o saldo bancário. O próximo passo, ainda mais abstrato é o crédito. O saldo bancário, mesmo sendo mais abstrato que o dinheiro e ainda mais abstrato que o ouro que historicamente regulou a uma base comum o produto de nosso trabalho reduzindo-o a um mesmo denominador comum e possibilitando certa equação que permutava produções totalmente distintas, ainda é mais real por ter um caráter presente, ao passo que o crédito, conta com o que você ainda vai trabalhar, portanto é futuro. Se você entra em um estabelecimento comercial ou de serviços hoje em dia e passa, em pagamento seu cartão de crédito em quatro parcelinhas, saiba que algumas horas ou dias dos seus próximos quatro meses você terá de trabalhar para poder ficar quites com o sistema financeiro. Hoje ainda temos o expediente de você negociar um deságio nos juros com outra instituição financeira e estas se perenizam com suas burras abarrotadas sem absolutamente nada produzir de construtivo para a sociedade. Em verdade, noto ao longo de minha larga experiência em prestação de serviços para o mercado financeiro que existe uma crise existencial e motivacional que só se aplaca, na medida em que este mercado é um dos que mais remunera sua mão de obra. Contudo, somos amiúde assaltados por uma sensação de inutilidade, como que se todo nosso esforço não tivesse o menor sentido. Não soma nada, não constrói nada, não cria nada, não contribui em nada. Pelo contrário, nos destrói, quando nos obriga a duelar com um enorme Golias que nos telefona cobrando nossos débitos.

Ações em bolsa, não entendo bem disso, mas acho que é como que nos tornarmos sócios de uma empresa sem ter efetuar alguma ação produtiva para tal, em tese alguém age por mim que compro a ação deste que nem sei quem é, ou seja, ofereço um valor que compra a ação, enquanto o trabalho é de outra pessoa. Só que o valor desta ação aumenta e diminui sem que, necessariamente um evento concreto ocorra, mas apenas por uma mera especulação. Apenas por esta especulação poucos ganham muito e mitos podem perder pouco ou muito.

Vamos analisar outro aspecto: o consumo também esta trocando os pés pelas mãos. Veja por você: Seus gastos nos últimos meses foram, percentualmente em sua maioria, de produtos de real necessidade ou de coisas supérfluas? OK! Vamos repensar o que é necessidade. Celular, computador, conta de provedor de internet, TV por assinatura, pizza nos finais de semana, gasolina e o som do carro, não são de fato de real necessidade ou são?
Bem, o problema é que: se acontece algum problema e ficamos sem ter como honrar nossos gastos com esses supérfluos também ficamos alijados do realmente necessário. Não teremos como honrar a prestação da casa, o condomínio e o mercado. Preço muito alto a pagar apenas por um supérfluo. Não é nenhuma crítica ao consumo de supérfluos, mas apenas a análise do seu real preço.

O problema real que eu vejo é a profunda concentração de riqueza na mão de poucos que estão caindo na cilada da especulação e ai, de fato nos referimos à crise mundial, e nos acostumamos a ser reféns destes. Profetizando: chegará o dia em que a cobra vai morder o próprio rabo! Quando muitos não terão como honrar seus compromissos e ficarão privados do realmente necessário. Isto já é tema nos USA. Centenas de famílias que moravam bem em boas casas hipotecadas, por não honrar seus compromissos estão agora formando colônias, verdadeiras cidades, onde sua moradia é uma barraca de camping! E pasmem! Estas casas estão retornando para seus “donos” no mercado financeiro que não tem para quem vendê-las! Ou seja estão com o mico na mão! De um lado pessoas precisando de moradia, com capacidade de executar as mais diversas tarefas para um mundo produtivo. De outro, empresas em recessão e bancos com uma porção de imóveis sem ter o que fazer com eles!

Triste criador dominado pela sua criatura!

Tudo bem! Você pode estar pensando: - mas você só faz criticar e sugestão nenhuma? O que pode ser uma solução?

Ora parece que o problema é o dinheiro, ou melhor, o que fizemos dele. A postura que adotamos perante a ele. Hoje a grande maioria trabalha para o dinheiro e não o contrário, o dinheiro trabalhar para ela. Vamos então fazer uma especulação, mas não de ordem financeira:

Vamos admitir que possamos abolir o dinheiro. Isto mesmo: “No Money!” Não todo mundo ficar sem dinheiro o que é bem diferente, mas vamos abolir o dinheiro! Num primeiro momento podemos conjeturar algumas coisas: bancos vão fechar, muita gente vai ficar sem trabalho, mas a perspectiva não é problemática. Pois se abolimos o dinheiro não vamos mais precisar dele. E como compro as coisas no supermercado, pago as contas de luz, de água... calma lá! Abolimos o dinheiro! Ora, vamos admitir que possamos ir a uma loja e pegar o que precisamos! Não o dono da loja não vai ficar chateado, pois ele também vai à locadora de DVD e não vai pegar 25 DVD´s pois não terá como assistir a todos. Ele, como costuma fazer frequentemente, vai alugar, ops! Pegar uns três ou quatro para o fim de semana, ou seja, o suficiente para seu uso digno. Supérfluo, sim! E assim acontecendo com todo mundo. O que você precisa é simplesmente ir aos mesmos lugares que está acostumado e agora pegar o que precisa. Ora, você pode admitir: - mas e este povo todo que ficou sem trabalho só vai usufruir sem contribuir? Possivelmente a coisa vai demorar um pouco para se assentar até que o conceito vingue, mas somos seres adaptáveis. Imagine que você não precisa mais trabalhar para sobreviver, pois isto está garantido, na medida em que você pode pegar tudo do que necessita. Você poderá até ficar algum tempo sem fazer absolutamente nada e engordar alguns quilinhos, o que não é nenhum problema a mais pois o que vemos neste tempo de capitalismo não é nada mais do que isso. Será que, em sã consciência, você iria vagabundear para sempre. Não! Não considere o que o outro vai fazer, mas o que você vai fazer, ou você vai num determinado momento escolher algo que você seja realmente capaz de fazer de modo a contribuir para o movimento do novo processo (sem nome). Aquele que entrega a mercadoria, vai continuar entregando a mercadoria, abastecendo seu caminhão no mesmo posto de gasolina. Comendo nos mesmo restaurantes, ou até em outros melhores vez por outra. Nós vamos continuar a fazer diáriamente tudo o que normalmente estamos habituados a fazer, não é preciso que nada mude. Apenas a interação entre o intercâmbio dos produtos não mais será mediada pelo dinheiro.
Continua...

Panorama da crise I

O momento é de reflexão! Ora estamos mergulhados em uma crise internacional. É possível que você ainda não tenha sentido na pele os efeitos desta crise, mas qualquer que seja o caso, não podemos fazer vista grossa para este fato. Certo que o governo brasileiro tem tentado esforços no intuito de minimizar seus efeitos ou de maquiá-los. Contudo estamos em época de globalização, o que significa dizer que nosso mercado de trabalho esta entremeado de empresas multinacionais com sede em outros países onde a crise é ainda mais séria e neste contexto o efeito cascata é inevitável. Traçando uma pequena história dos últimos anos, a oferta de crédito em nosso país foi bastante expressiva, para compra de bens de consumo, bens móveis e imóveis. Podemos até postergar o pagamento da passagem do ônibus que você vai tomar agora para daqui a quarenta dias! O que estou dizendo é que, somente alguns poucos privilegiados não têm comprometidos várias de suas horas de trabalho dos próximos meses, ou anos, para pagar um tipo qualquer de financiamento. Isto não seria problema se nós estivéssemos com uma farta oferta de trabalho, contudo isto não é assim totalmente verdadeiro. Salvo alguns outros privilegiados que dispõe de um amplo mercado de trabalho o risco de cessar nossa entrada mensal é bastante grande e aí começa o drama psicológico. Nossa roda continua girando. A despeito de não ter aonde ir na próxima segunda feira suas contas de consumo e seus boletos dos mais variados credores sabem direitinho o caminho de sua caixa de correio ou quiçá seu endereço de e-mail. Sabemos o quanto é aterrorizante para muitos receber ligações de cobrança em seu aparelho celular e não ter como efetuar ligações com o mesmo, pois o serviço foi cortado. Aliás, é curioso notar como as mensagens gravadas que nos oferecem novos serviços tem voz suave e agradável. O mesmo não se pode dizer quanto àquela voz terrificante que nos diz que nossa conta está sem pagamento. Nossos credores querem a todo custo que saldemos nossos débitos e usam de todos os tipos de meios para atingir seu objetivo, mesmo que para isso tenham de submeter seu devedor a toda sorte de açoites psicológicos. Não é de longe algum tipo de apologia à insubordinação, desobediência civil nem tão pouco uma defesa do calote. Mas essas relações estão trocando os pés pelas mãos e esta nem parece uma frase metafórica, na medida em que nos obrigam a trocar as mãos que trabalham pelos pés que correm para fugir dos credores. Ora, falando sinceramente: sabemos o quanto se sente indigno aquele que fica alijado de conseguir seu pão pelo seu próprio esforço pessoal, mas de onde vem que minha dignidade está depositada em um saldo credor? Que me recorde somente foram feitos depósitos de dinheiro ou cheques em nossa conta corrente. Nunca depositei ou vi alguém depositar sua dignidade na boca do caixa ou em algum caixa eletrônico, muito menos pela internet. É preciso que seja dito que a dignidade humana não vem, em absoluto de suas posses, mas tão somente pela sua condição de ser humano. É certo que muitas vezes somos assaltados por comportamentos regados com alguns vestígios de animalidade no trânsito, nos trens do metrô em hora de pico. Acabamos em alguns momentos ao sair de casa pegando a carteira, a chave, o celular e esquecendo nossa dignidade humana na gaveta! Mas isso não é justificativa para sermos tratados como uma manada! Ficar à mercê do chicote do capataz para entrar pela estreita porta curral dos que tem seu saldo pintado de azul e “nome limpo”. Ora o meu nome é limpo independente de qualquer outra coisa. O ponto de alerta é: Estamos trocando nossa dignidade humana por uns poucos trocados. Deixamos nos escravizar pelas nossas dívidas. Somos escravos do dinheiro. Nós trabalhamos para ele. Trabalhamos de forma alienada apenas para pagar por coisas que ficaríamos perfeitamente bem sem. Tanto credores quanto devedores. E o dinheiro é que deveria trabalhar para nós. Possibilitando o acesso a facilidades e comodidades. No entanto nos submetemos a tantas severidades apenas para satisfazer um gigante voraz.Triste criador dominado pela sua criatura!

Efeitos da monetarização

Eram-se os tempos em que a economia girava em torno do produtivo! Nos anos de JK, o boom da indústria produziu além de produtos industrializados nacionais, também “novos ricos” nacionais. A economia produziu frutos e estes frutos produziram bens, materiais, econômicos e sociais, embora se estivesse como ainda hoje se está longe de se solucionar os problemas das discrepâncias econômico-sociais. Mais para frente ganhou força o comercio. A indústria produzia e o comercio incumbia-se de escoar a produção até o seu consumidor final. A zona franca de Manaus fincou a bandeira nacional onde era terra de ninguém e atraiu como ainda hoje atrai, por conta dos atrativos fiscais, inúmeras indústrias brasileiras e multinacionais. Nos idos de 1970, aparecem os primeiros Shoppings Centers, deslocando o comercio para outros pontos além dos centros, embora as grandes lojas de departamentos como Mappin, Sears, e Mesbla ainda atraíssem, sobretudo em datas comemorativas, um grande público que entrava de mãos abanando e saia com produtos e os famosos ‘carnês’. A economia seguia o seu ritmo, mesmo apertada pela morsa da inflação.Nos anos 80, com a derrocada do regime militar e a democratização, unidas a patacoadas econômicas de vários tipos a inflação galopa feito um corcel puro sangue, à frente de todos e a ECONOMIA ganha status privilegiado. Aplicações financeiras eram quase que obrigatórias para não permitir que a inflação corroesse a lucratividade. Os estoques minguaram, pois mercadoria na prateleira não rendia juros, nem dividendos, nem correção monetária. Os bancos, oportunamente lançavam produtos que ‘protegiam’ os industriais e comerciantes, contra a corrosão monetária. Over-Nigth, Open-Market, letras de câmbio, os mais diversos subterfúgios para não correr o risco de colocar uma cédula no bolso e vela diminuída ao retirá-la do mesmo. Mesmo os profissionais e as profissões deslocaram seu norte. Os melhores empregos que antes moravam nas indústrias multinacionais, agora, sem caminhão nem nada, passaram a morar nos bancos e quem não experimentou esta mudança pode ter experimentado morar no banco ‘da praça’. As empresas do setor financeiro absorviam mão de obra e serviços aos borbotões, os melhores computadores, as melhores tecnologias deslocavam-se para este setor. A competitividade no setor bancário fazia o homem escravo dos próprios prazos para o lançamento de algum produto ou propaganda. O mercado descobriu a bolsa de valores, o Dólar e a criatividade especulativa foi muito bem remunerados. O empresário, ou administrador que sabia jogar com o mercado financeiro fazia a empresa prosperar, independente de que produto ela produzisse ou comercializasse.Com o fim da inflação algumas empresas tiveram de encarar uma condição mais Real. Muitas fecharam, outras modificaram sua forma de agir, sobretudo após o ‘Código de Defesa do Consumidor’. A maquininha de remarcação de preços caiu em desuso e quase foi extinta sem que os ambientalistas fizessem campanha qualquer.A globalização e as mega-fusões vieram bagunçar mais o nosso sofrido mercado. Profissionais com anos de empresa, com um nome a zelar foram, num passe de mágica, transformados em um número a mais após uma ou outra grande fusão. Conglomerados financeiros prosperaram e hoje absorvem um grande percentual do mercado de trabalho.Bancos, cartões de crédito, seguros, financeiras emprestando dinheiro a qualquer um que possa ser seduzido a um empréstimo, seguradoras, consórcios, previdência privada, ufa!O mercado gira entorno do dinheiro, pelo dinheiro, para o dinheiro e por mais dinheiro.Até o próprio setor produtivo se rendeu ao dinheiro! Suprido o mercado ele inventa uma nova demanda, uma nova moda para que o consumo possa gerar mais e mais dinheiro. Quando o consumidor não precisa comprar mais nada, nós fazemos ele precisar de alguma coisa. A propaganda é fera nisso! Costumo dizer que muito melhor do que um psicólogo, um profissional de propaganda conhece a subjetividade do ser humano e sabe jogar com ela para lá e para cá.O problema é que estes fenômenos acabaram por colocar a carroça na frente dos burros!O dinheiro que originalmente era um ‘meio’ para se conseguir ‘algo’, tornou-se ‘fim’, em-sí. Perdemos a noção do ‘algo’ diferente do próprio dinheiro. Compramos sem a menor necessidade.Quando era criança eu ia para o fundo do quintal de casa, colocava uma bacia destas de roupa virada com a boca para baixo, deixava uma abertura com um gravetinho qualquer e nele amarrava um barbante e me escondia, colocava grãos de milho embaixo do que chamávamos de ‘arapuca’ e quando as pombinhas seduzidas pela boca livre, apos a passagem do período de espanto entravam embaixo da arapuca então! Bingo! Eram capturadas. Depois eu as soltava. Hoje em dia as lojas de shopping nos fazem a mesma coisa. Armam arapucas que o consumidor rodeia, rodeia, mas acaba caindo e com a maior facilidade a financeira, que já está no lugar oportuno, puxa o barbante.O mundo das grandes corporações também é afetado por inúmeros efeitos colaterais destes fenômenos. Os profissionais trabalham sem a devida motivação, pois não vêem nada de nobre no que fazem. A finalidade do seu esforço volta-se tão somente para o dinheiro e pelo dinheiro que nem é para eles. Falta um propósito, um sentido de direção e de fim que realmente valha a pena. Ele é incentivado a desempenhar mais e mais e sua recompensa também é o dinheiro, mesmo que este seja bem menos. Então ele busca um sentido para ele mesmo. O consumo! Que retro-alimenta o sistema de forma alienante.A proposta não é dar um ou mais passos para trás, mas questionar o sentido de tudo isso. É deliberadamente reorganizar nossa cadeia de valores de modo a que nossos objetivos, pelo menos pessoais, ganhem um quê a mais de reputação. Que nós tenhamos uma resposta convincente para a pergunta: Para que eu acordei esta manhã?