Hoje vivemos o momento da Lei da ficha limpa,
da execração de políticos corruptos. Por outro lado, a velha máxima do
malufismo do “rouba, mas faz”, talvez
ainda não tenha sido ultrapassada. Eticamente, deveríamos execrar a figura do
político corrupto ou ele representa uma parcela da população também corrupta e
que só não se faz ver devido à falta de oportunidade?
Esta
é uma questão que proponho para meus alunos de filosofia e ética. Analisá-la
não é tarefa das mais simples. Facilmente caímos em julgamentos prematuros, sem
chegar ao cerne da questão. Procuro encaminhar a análise ética pela busca dos
valores ou dos princípios que teriam a capacidade de justificar, ou ao menos de
nos fazer tolerar a conduta corrupta. Apressadamente cairíamos em algum
julgamento do caráter do corrupto e do corruptor, como indivíduos
desqualificados, egoístas, mau-caráter, numa palavra: de índole má.
Contudo
para que se possa postular uma índole má precisamos dizer que existe um mal que
rege esse indivíduo. Isso nos coloca diante de um problema, para lá de
complicado. Santo Agostinho já nos disse que o mal é somente carência de bem e,
portanto, não existe um mal em si. Então que valor poderia justificar uma
conduta desse tipo?
Em
nossa sociedade capitalista, sabidamente oferecemos bastante importância para
algumas coisas comuns em nossa cultura: lucro, individualidade, acumulação de
recursos, dinheiro, sucesso, vitória, prestígio entre outros tantos dos ditos, signos distintivos de nossa época.
Aquele que rapidamente aproveita as oportunidades de negócio que estão ao
alcance é chamado de esperto. Aquele
que usa inteligentemente de argumentos para colocar-se em vantagem em alguma
negociação tem sucesso. Quando
compramos um produto qualquer, abaixo do seu real valor e vendemos acima,
fazemos um bom negócio. Todas essas
são condutas socialmente aceitas. Mais do que isso, são completamente legais.
Um
bom negócio aqui, um belo lucro lá, uma esperteza acolá e nos sentimos
confiantes para arriscar o ganho excedente em transações mais ousadas. Daí a
chegar ao nível das grandes oportunidades, aquelas que nos recompensam com
polpudas boladas é só uma questão de tarimba e sangue frio. Diferenciar a
estreita e quase invisível linha que separa o grande negócio do negócio ilegal
é tarefa das mais complexas. Mais ainda, quando pelo receio de sermos
desonestos não fechamos algum grande negócio e vemos que um outro qualquer, sem
titubear, ganhou a bolada sem o menor risco e ficamos com a cara de bobos. A
feição de corrupção parece que vai se atenuando à medida que vamos nos
habituando e indiferenciando o arriscado do desonesto. A corrupção parece ter
cara mais feia quando vista de longe. Quando vista de perto ela se assemelha ao
sucesso, ao arrojo ou á vitória.
Por
outro lado sabemos que, para os cargos legislativos e executivos os políticos
são democraticamente eleitos pelo voto popular. Portanto são legítimos
representantes do povo. Também sabemos que a maior parte da população não
diferencia “denúncias” de corrupção da própria corrupção e também confunde
corrupção com intriga da oposição. Acabamos
por generalizar: todo político é corrupto.
A diferença é que alguns fazem alguma coisa, outros não.
A
dificuldade desse cenário é que nele existem as condições perfeitas para a
produção de um determinado tipo de “bolor” social. A indigência, a mendicância
e a violência. A caridade é bem vista em nossa sociedade, mas não seria
necessária se todos tivessem condições dignas de vida. A indigência é
subproduto natural da exclusão social. Vemos, ao perambular pelas ruas, pessoas
famintas distantes uma parede ou uma porta do alimento. Vemos pessoas com frio
a um muro de um abrigo. A solidariedade requer condições propícias para se
manifestar e não é no mundo dos negócios. Nesse meio ela é signo de
fragilidade.
Basta-nos
manter a pobreza a certa distância e a capital em Brasília para podermos
protestar contra os malfeitores, assegurar nosso sustento diário e um bom
negócio eventual sem sentir enjôo do mau cheiro da indigência.