terça-feira, 23 de abril de 2013

Sobre corrupção e distância.


Hoje vivemos o momento da Lei da ficha limpa, da execração de políticos corruptos. Por outro lado, a velha máxima do malufismo do “rouba, mas faz”, talvez ainda não tenha sido ultrapassada. Eticamente, deveríamos execrar a figura do político corrupto ou ele representa uma parcela da população também corrupta e que só não se faz ver devido à falta de oportunidade?
Esta é uma questão que proponho para meus alunos de filosofia e ética. Analisá-la não é tarefa das mais simples. Facilmente caímos em julgamentos prematuros, sem chegar ao cerne da questão. Procuro encaminhar a análise ética pela busca dos valores ou dos princípios que teriam a capacidade de justificar, ou ao menos de nos fazer tolerar a conduta corrupta. Apressadamente cairíamos em algum julgamento do caráter do corrupto e do corruptor, como indivíduos desqualificados, egoístas, mau-caráter, numa palavra: de índole má.
Contudo para que se possa postular uma índole má precisamos dizer que existe um mal que rege esse indivíduo. Isso nos coloca diante de um problema, para lá de complicado. Santo Agostinho já nos disse que o mal é somente carência de bem e, portanto, não existe um mal em si. Então que valor poderia justificar uma conduta desse tipo?
Em nossa sociedade capitalista, sabidamente oferecemos bastante importância para algumas coisas comuns em nossa cultura: lucro, individualidade, acumulação de recursos, dinheiro, sucesso, vitória, prestígio entre outros tantos dos ditos, signos distintivos de nossa época. Aquele que rapidamente aproveita as oportunidades de negócio que estão ao alcance é chamado de esperto. Aquele que usa inteligentemente de argumentos para colocar-se em vantagem em alguma negociação tem sucesso. Quando compramos um produto qualquer, abaixo do seu real valor e vendemos acima, fazemos um bom negócio. Todas essas são condutas socialmente aceitas. Mais do que isso, são completamente legais.
Um bom negócio aqui, um belo lucro lá, uma esperteza acolá e nos sentimos confiantes para arriscar o ganho excedente em transações mais ousadas. Daí a chegar ao nível das grandes oportunidades, aquelas que nos recompensam com polpudas boladas é só uma questão de tarimba e sangue frio. Diferenciar a estreita e quase invisível linha que separa o grande negócio do negócio ilegal é tarefa das mais complexas. Mais ainda, quando pelo receio de sermos desonestos não fechamos algum grande negócio e vemos que um outro qualquer, sem titubear, ganhou a bolada sem o menor risco e ficamos com a cara de bobos. A feição de corrupção parece que vai se atenuando à medida que vamos nos habituando e indiferenciando o arriscado do desonesto. A corrupção parece ter cara mais feia quando vista de longe. Quando vista de perto ela se assemelha ao sucesso, ao arrojo ou á vitória.
Por outro lado sabemos que, para os cargos legislativos e executivos os políticos são democraticamente eleitos pelo voto popular. Portanto são legítimos representantes do povo. Também sabemos que a maior parte da população não diferencia “denúncias” de corrupção da própria corrupção e também confunde corrupção com intriga da oposição. Acabamos por generalizar: todo político é corrupto. A diferença é que alguns fazem alguma coisa, outros não.
A dificuldade desse cenário é que nele existem as condições perfeitas para a produção de um determinado tipo de “bolor” social. A indigência, a mendicância e a violência. A caridade é bem vista em nossa sociedade, mas não seria necessária se todos tivessem condições dignas de vida. A indigência é subproduto natural da exclusão social. Vemos, ao perambular pelas ruas, pessoas famintas distantes uma parede ou uma porta do alimento. Vemos pessoas com frio a um muro de um abrigo. A solidariedade requer condições propícias para se manifestar e não é no mundo dos negócios. Nesse meio ela é signo de fragilidade.
Basta-nos manter a pobreza a certa distância e a capital em Brasília para podermos protestar contra os malfeitores, assegurar nosso sustento diário e um bom negócio eventual sem sentir enjôo do mau cheiro da indigência.