Não, não esta
escrito errado! Esse foi somente um truque, um meio que encontrei para chamar a
atenção para alguns fatores que considero bastante importantes: acessibilidade e sensibilidade em primeiro plano e especialidade em segundo.
O conhecimento
em nosso tempo é caracteristicamente fragmentado. Temos, cada dia mais,
especialistas em determinados campos bastante específicos. Especialista em
torção de porcas de rosca torta de 8/34 de polegada com rosqueadeira de mira a
laser com lente de aumento de 24x angulada. Brincadeirinha! O fato é que nosso
conhecimento está tanto mais específico quanto fragmentado. Perdemos a
articulação, a vinculação de um conhecimento com outro. Cada um cuida de sua
própria especialidade e em alguns casos o “todo” não se encaixa.
Na São Paulo de
épocas natalinas vemos nos letreiros de vários ônibus a inscrição “Boas Festas!” se alternando com o
letreiro que oferece o destino final e seu número de código. Lampadinhas
pontilhadas se entrelaçando umas nas outras que vistas de longe e em movimento
transformam-se e verdadeiros borrões ilegíveis. Os míopes ocasionais – aqueles
que precisam de óculos, mas resistem em usá-lo em público -, apertam seus olhos
para tentar em vão ler o letreiro e quando danado chega ao limiar da distância,
onde restariam alguns milésimos de segundo para ler o letreiro e saber qual o
destino do coletivo para darmos o sinal de parada lemos: “Boas festas!”. Certamente essa não é a expectativa, tampouco o
destino do usuário. Alguma boa alma, quiçá tendo lido sobre marketing institucional teve a brilhante
idéia do letreiro, mas não teve a sensibilidade
de se colocar no lugar do passageiro e se dar conta da dificuldade que a
luminosa idéia poderia provocar.
Contudo, digamos
que o míope leitor tenha tido a sorte de flagrar o que realmente queria e seja
realmente esse destino que lhe interessa. Dá o sinal, o ônibus pára e sendo ele
um cidadão típico, de estatura mediana, terá certamente - mesmo gozando de
plena saúde física -, severas dificuldades de adentrar ao coletivo. Isso porque
a altura do degrau é, em geral, bastante bem elevada. Não obstante, tendo
efetuado o hercúleo esforço de escalar os degraus, ao se desgarrar por um breve
instante das barras de segurança apenas para acessar o bolso e pegar seu
bilhete para o pagamento da passagem, entra novamente em apuros, pois, o
motorista que seria aprovado com louvor na prova para transporte de fardos de feno, arrancou com seu veículo projetando o
incauto passageiro na direção da roleta.
As autoridades buscam minimizar as dificuldades de
acessibilidade criando secretarias especiais. O produto do trabalho
especializado, ao menos em Sampa salta os olhos. O transporte coletivo dispõe
de assentos reservados a idosos, gestantes, e portadores de necessidades especiais.
Já existem vagas de estacionamento prioritárias. A cada esquina de ruas
movimentadas vemos pisos tácteis em socorro aos deficientes visuais, guias
rebaixadas permitindo autonomia aos cadeirantes, mas como disse antes o todo
não se encaixa. As dificuldades que relatei no início não incidem sobre a
parcela da população com necessidades especiais, mas sobre todo o restante com
necessidades comuns. Não temos apenas um problema de acessibilidade, mas de sensibilidade.
Se as demais secretarias deixam ao encargo das secretarias especializadas o
problema de acessibilidade elas mesmas se desoneram da preocupação. Com isso
vemos pelos diversos corredores de ônibus espalhados pela capital, enormes
plataformas elevadas sem nenhuma utilização e que se transformaram
desnecessariamente em obstáculos adicionais aos transeuntes.
Que exista a
necessidade de especialistas em acessibilidade, mas precisamos todos ter a
sensibilidade e retomar para si a preocupação com o outro. Não se trata de
consultar a secretaria especializada, mas de nos imbuirmos todos da
sensibilidade da consideração. Não há que se criar todo um projeto para
posteriormente efetuar as adequações de acessibilidade, mas permitir que a
sensibilidade permeie o projeto de cima a baixo do inicio ao fim. Também não se
trata de criar leis ou normas que devem ser seguidas à risca. Tampouco se trata
de um ônus exclusivo das autoridades, mas de experimentarmos sentir na própria
pele a dor do outro. Temos o costume de dizer: - Eu fiz minha parte! Acreditando que se cada um fizer sua parte uma
se encaixa na outra e assim constituímos um todo. Mas não se tratam de partes,
mas sim de visões parciais e limitadas do todo. Visões parciais sem
necessariamente limites restritos ou isolados. Nesse caso a “minha parte” invade,
se mescla, se confunde, impacta a parte do outro, tanto quanto a parte do outro
afeta a minha. Minha parte não se dá por concluída sem a parte do outro. Se a
sensibilidade não atravessar a ambos as partes não vão se encaixar no final.
Teremos com isso obras monstruosas apenas fruto de encaixes mal feitos.
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