(Por Jadir Mauro
Galvão)
Rousseau apontou a propriedade privada como
sendo o fator preponderante para a origem das desigualdades entre os homens. Em
seu discurso homônimo ele diz:
O
primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e
encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador
da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores
não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando
os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: "Livrai-vos de escutar
esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a
terra de ninguém !"
Sua
linha geral de pensamento, não exatamente esse, mas, sobretudo a questão da liberdade, igualdade e fraternidade, exerceu
profunda influência na Revolução francesa, e esta tem sido marcada por muitos
como a data de nascimento do nosso atual estilo de vida: o capitalismo. Por
outro lado, creio que foi exatamente esse pensamento que estimulou Karl Marx a
questionar a legitimidade da propriedade privada. Mesmo Proudhon deve ter sido
tocado por Rousseau quando afirmou: “A propriedade
privada é um roubo.”. E disso nasceram as ideias de comunismo e de
socialismo. Na primeira pensa-se que a propriedade é comum, isto é, de todos, na
segunda, a propriedade é do Estado que a dispensa ao seu critério para todos. Contudo
talvez se tenha lido apressadamente a ideia de Rousseau. Ele nos fala que os
frutos da propriedade são de todos, mas que a terra não é de ninguém. O problema
não está na ideia de privado, mas
mesmo na ideia de propriedade.
Por
outro lado, uma vez que instituiu-se desde há muito tempo a ideia de
propriedade privada e esta se entranhou com tamanha força em nossa consciência
e, tendo muitos realmente trabalhado com esmero e afinco no intuito de obter
propriedades, creio que não seria justo mudar radicalmente as regras do jogo e
confiscar propriedades indiscriminadamente. Por outro lado, lembro-me de ter
lido sobre uma pesquisa – só não lembro onde - a respeito do déficit habitacional
na cidade de São Paulo. A pesquisa dava conta de que “não havia déficit”. A
demanda reprimida por imóveis poderia ser atendida apenas pela mesma quantidade
de imóveis que hoje estão “fechados”.
De
fato, circulando pelas ruas da cidade vemos uma enorme quantidade de imóveis
com placas de “vende-se”, “aluga-se” e mesmo outros tantos abandonados. São
imóveis residenciais e também muitos comerciais que enfeiam a cidade sendo
pichados, depredados, servindo de esconderijo - e não moradia - para desocupados
ou mal-intencionados. São imóveis que poderiam estar servindo de “Lar” para
muitas famílias, ou mesmo gerando trabalho, renda, oportunidades e serviços
para uma boa parcela da população. Contudo estão fechados prestando verdadeiro
desserviço a todos.
Nesses
casos, penso que poderíamos ao menos “atualizar” a ideia de propriedade
privada. Se houve, a custa de algum empenho e dedicação, a aquisição privada de
determinada propriedade, ela não pode eximir seu proprietário de novo e
reiterado empenho e dedicação no sentido de mantê-la. Neste caso poderíamos repaginar
essa ideia num conceito de “Propriedade produtiva”. Para que se tenha e se
mantenha uma propriedade privada ela deve ser, de algum modo, produtiva, isto
é, prestar algum benefício para a sociedade, em parte ou como um todo.
Propriedades fechadas, depredadas, poderiam, então, ser confiscadas e entrar em
licitação para que voltassem a ser produtivas. Abrigar alguma família,
tornar-se uma pequena fábrica ou empresa de prestação de algum serviço para sociedade.
Eu
mesmo conheci diversos pequenos e até médios empreendedores que esbarravam na
questão de local. Ou não deram apropriados ou caros demais, inibindo, assim
aquilo que poderia ser a geração de emprego, renda, dignidade e progresso para
inúmeras pessoas de bem.
Claro
que não podemos fazer vista grossa para o fato de que, se muitos imóveis estão
em estado tão desleixado, não é por mera vontade ou puro desleixo de seu
proprietário, mas talvez, muitos demonstrem alguma sazonal crise financeira,
mas a ideia de propriedade produtiva não se inviabiliza por esse fator. Pelo
contrário, estimula um saudável desapego, tanto quanto o trabalho. Aquele que “perdeu”
determinado imóvel pode, num segundo momento, “ganhar” outro e zelar para que
ele preste tanto serviços à população quanto também colabore para embelezar a
cidade e inibir a criminalidade.