quinta-feira, 22 de outubro de 2015
Será que os primeiros passos estão sendo dados?
https://br.noticias.yahoo.com/na-finl%C3%A2ndia--s%C3%B3-trabalhar%C3%A1-quem-quiser-a-partir-do-ano-que-vem-121059718.html
Em algumas regiões do país, o desemprego está na casa dos 20%. Mas, para o especialista, a renda universal não necessariamente significaria toda a população ociosa. “Sempre existiram e sempre existirão pessoas que escolhem viver com muito pouco dinheiro e são felizes assim”, explica o francês. “Mas as pesquisas já feitas na França, nos Estados Unidos ou no Canadá mostraram que o número daqueles que param completamente de trabalhar é muito marginal. É preciso acabar com a fantasia em torno desse assunto: em regra geral, as pessoas querem se integrar na sociedade e, para isso, elas exercem uma atividade.”
“O objetivo é dar escolhas para as pessoas, sobre como elas vão trabalhar. Se elas querem trabalhar em tempo integral, em meio período, ou mudar para um trabalho que faça, de fato, sentido para elas”, afirma Nicole Teke, coordenadora internacional do Movimento Francês por uma Renda de Base (MFRB). ”O mais difícil é mudar a mentalidade das pessoas sobre esse assunto, fazer com que elas percebam que o trabalho pode ter um outro valor. É mais uma questão de mentalidade do que de economia.”
sábado, 26 de abril de 2014
Sociedades privadas!
Por Jadir Mauro Galvao.
O ano de 2006 marca o aparecimento de um conceito que faz uma ligação
entre empresas e algumas questões da sustentabilidade. O conceito de Criação de valor compartilhado[1]
(CVC), ou em inglês Creating Shared Value. Trata-se de uma idéia bastante
interessante que convoca as empresas a observar oportunidades de negócio ainda
desconhecidas no exercício da atividade de Responsabilidade Social Empresarial
(RSE).
As empresas ao longo do tempo foram tidas como vilãs de certo tipo de apartheid social. O lucro, buscado pelas
empresas, acabava concentrando o capital em poucas mãos e alijando uma parcela
da população dos benefícios que poderia proporcionar. As desigualdades sociais
proporcionadas pelo lucro, sobretudo o lucro excessivo, que teriam a capacidade
de produzir valor para os acionistas dessas empresas, se transformaram em
algozes, justamente por retirar esse valor do seio da própria sociedade. Ora, é
da índole do lucro retirar o valor do público e concentrá-lo no privado.
Retirá-lo de muitas mãos e concentrá-los em poucas sem que exista nisso
qualquer contrapartida. O lucro não é a remuneração do trabalho exercido pela
empresa, isso compõe o custo, ele é o excedente. Tampouco se pode falar que sem
o lucro a empresa ficaria impedida de crescer e prestar maior serviço à
sociedade. Em empresas bem organizadas essa verba de investimento para o
crescimento já está inserida nos custos. Mais ainda o lucro é excedente. Esse
excedente sai de algum lugar sem qualquer contrapartida. Ele retira valor e não
gera valor. Apenas transfere e concentra o valor. Ao longo do tempo essa
prática pouco ou nada se fez notar e, ao contrário, foi fomentada, justamente
por oferecer crescimento da economia e desenvolvimento social, na medida em que
as empresas, na ânsia por mais lucro, abriam mais unidades de negócio, gerando
mais empregos e mais renda. Talvez nesses momentos sequer pudéssemos nomear
propriamente o Capitalismo desse modo, pois o eixo central que fazia girar a
economia era a produção industrial e depois o comércio. O mundo ainda era
escasso de recursos e qualquer empresa que tivesse como objeto social a criação
desses recursos era bem vinda e o lucro apenas um preço a pagar pela criação desse
valor.
Contudo, o século XXI marca um estágio de desenvolvimento humano em que
temos abundância de todos os tipos de recurso. Diria até mais temos, em alguns
casos, excesso de recursos e mesmo desperdício. O problema é que nesse momento
o lucro revela sua face mais verdadeira: a de vilão! Torna-se uma máquina que
enxuga, que draga os valores que circulam das outras esferas da economia,
poderíamos dizer nas camadas mais abaixo da pirâmide social e conduz esses
valores para o topo. São produtores de desigualdades sociais, de pobreza, de
privilégio para poucos.
Nas discussões mundiais sobre a questão da sustentabilidade esse assunto
não passou incólume. Muito se foi dito sobre a questão da erradicação da
pobreza, sobre equidade social. Compromissos foram assumidos por vários países.
Mesmo os países ditos mais ricos, onde a pobreza é muito pequena ou até
inexistente, assumiram para sí o compromisso de ajudar países mais pobres nesse
sentido. Contudo a ação dos países pobres fica até certo ponto restrita a
programas de assistência social, a investimentos em infraestrutura que possam
gerar empregos e fazer girar a economia. Portanto é preciso que existam ações
da iniciativa privada para contribuir com esse fim. A partir dessa necessidade
e compromisso, nasceu entre as empresas a ideia de Responsabilidade social empresarial (RSE). Algumas empresas
começaram e destinar verbas com essa finalidade, mas no geral essas verbas eram
destinadas a algum tipo de filantropia. Contudo não sei se essas verbas
destinadas a esse fim saíram do lucro das empresas ou somente compuseram seu
custo e, com isso foram repassadas ao preço final de seus produtos. Muitas
empresas mesmo, na figura de seus departamentos de recursos humanos começaram a
valorizar alguns currículos de candidatos que faziam algum tipo de trabalho
voluntário. Contratar esse candidato agregaria valor à empresa. Muitas mesmo
passaram a estimular programas de voluntariado entre seus colaboradores. Cediam
algumas horas de seus colaboradores, forneciam a logística necessária para que
seus colaboradores visitassem hospitais, orfanatos, asilos ou se empenhassem em
auxiliar a comunidade do entorno dessas empresas. Escolas foram pintadas,
ofícios foram ensinados para comunidades carentes, aulas de economia doméstica
e outras tantas compuseram essas iniciativas. Talvez menos por certo altruísmo
e mais para elevar a reputação dessas mesmas empresas.
Essas atividades, porém, ficavam restritas à verba destinada a elas. Tratava-se
de custo a ser pago pelas empresas e até certo limite não comprometeriam seus
resultados financeiros, nem a imagem com os acionistas. Redesenhando essa
prática, surge o conceito de Criação de valor compartilhado. A ideia aqui é
buscar atividades que possam produzir valor para a sociedade, mas que também
agreguem mais lucro para a empresa. A Nestlé, por exemplo, abraçou essa ideia e
reconduziu seus esforços para esse sentido. Mais do que somente algum tipo de
caridade, percebeu que o produtor rural
tinha necessidades pessoais e tecnológicas que afetavam direta ou indiretamente
a qualidade e a quantidade do produto que era fornecido para a Nestlé e, com
isso, afetava o produto que ela mesma industrializava. Para tanto, viu na
estratégia de capacitar os produtores
rurais um diferencial que produzia tanto valor para os próprios produtores,
quanto para seu próprio produto e negócio. Gerar valor e benefícios para todos
os envolvidos. Mais do que apenas investir na capacitação dos produtores, seu
objetivo manifesto é o de contribuir para a melhoria na condição social e
economia da sociedade rural. Suas iniciativas visam, entre outros objetivos, a
manutenção do homem no campo, mas com dignidade e inclusão social. O
desenvolvimento das comunidades com a geração de empregos diretos e indiretos.
Melhoria na educação, nos serviços e em tudo o que possam oferecer valor para o
homem do campo.
Outra iniciativa que parece se alinhar a esse conceito é a da Coca cola.
Um dos principais motivos de a empresa sofrer certo repúdio à sua instalação ou
permanência em determinada região era seu próprio consumo de água. De acordo
com Fernando Almeida[2]
até 1997 o consumo era de 5,4l de água por litro de bebida produzida. Embora esse consumo tenha sido reduzido
drasticamente, percebe-se que esse é seu calcanhar de Aquiles. Mais do que
iniciativas de ecoeficiência que fizeram reduzir os números alarmantes de
consumo desse precioso insumo, a Coca cola destinou grandes empenho para
coletar água de chuva, mas talvez seu investimento mais importante seja o de
replantar matas ciliares. As matas ciliares são essenciais para rios, lagos e
toda e qualquer fonte de água. Evita o assoreamento, reduz a evaporação e
preserva a qualidade da água. Mais do que preservar esse insumo essencial de
sua produção, também garante o abastecimento desse bem para a população do seu
entorno. Garante a viabilidade de sua produção e agrega valor para a sociedade.
Diferente da ideia de RSE, o CVC garante que o investimento social
privado será mantido ainda que a empresa passe por eventuais ou sazonais
períodos de dificuldades financeiras. Dificilmente, em épocas de vacas magras
será destinada polpuda verba para qualquer tipo de caridade. Contudo, na medida
em que o CVC atua em investimentos diretamente ligados ao seu Core Busines, isto é o núcleo central de
seu negócio. A possibilidade desse investimento se interromper fica reduzida e
tanto uma iniciativa quanto a outra produzem ainda dividendos para a reputação
da companhia. Cabe agora a cada gestor e sua equipe a criatividade e visão para
enxergar as oportunidades de investimento social privado para a criação de
valor compartilhado alinhado ao seu próprio negócio. A Nestlé investe na
produção rural de alimentos, a Coca cola na preservação da água. Outras
empresas podem investir em educação da população que pode se tornar mão de obra
qualificada, ou em inclusão digital que permitirá a iniciativa da prática do
Home Office. Outras podem investir em moradia, ou em transporte que pode
beneficiar o escoamento de sua própria produção. A idéia é fazer com que as
empresas invistam em benefícios sociais que elas mesmas também se beneficiem de
seus próprios investimentos.
Isso pode acabar vinculando dois objetivos que até então eram
contrastantes. As empresas sempre visaram lucro e os benefícios sociais eram da
conta ou da própria população ou, se tanto, do governo. Agora alguns desses
benefícios podem produzir, garantir ou aumentar o próprio lucro. Se a população
até então ficava no aguardo de que a boa vontade de algum governante colocasse
tais benefícios em pauta, pode a partir de então contar com outro tutor
interessado em seu benefício. Pode até mesmo se organizar e propor iniciativas
criativas que possam criar tais valores. Pode até mesmo, se o investimento
desejado for de alta monta, propor o compartilhamento em mais de uma empresa.
Quiçá na construção, infraestrutura e manutenção de alguma vila operária, que
evitaria atrasos ou faltas de seus colaboradores. Transporte rápido e de
qualidade para escoar sua produção tanto quanto para beneficiar a população.
Isso acabaria por aproximar a população civil das empresas e relegar a relação
com o governo para um segundo plano.
Ante ao até agora exposto, só temos benefícios a contabilizar. Contudo é
preciso retirar os olhos do foco central e atentar para possíveis consequências
daninhas que o conceito de CVC pode ensejar. A imagem que podemos fazer da
organização desses atores pode muito bem ser a seguinte: Um Estado,
representado pela figura do governo e dentro dele coexistindo e cooperando para
benefício mútuo pessoas físicas e pessoas jurídicas. Empresas e sociedade
civil. Contudo em épocas de grandes fusões de grandes empresas, essas pessoas
jurídicas, muitas vezes representam uma quantidade de recursos financeiros que
pode ultrapassar em muito a capacidade de inúmeros países inteiros. São
empresas transnacionais com penetração global e interação com populações de
inúmeros países ao redor do globo. Então a imagem apresentada parece não
corresponder à verdade. Não são pessoas jurídicas “dentro” de governos, mas
muitas vezes partes de um país dentro de grandes empresas. Grandes parcelas das
populações de inúmeros países do mundo sendo tuteladas por grandes corporações
transnacionais. Na medida em que empresas, investindo no bem estar das
sociedades, papel que deveria ser cumprido por seus governos, conseguem
alavancar reputação e credibilidade ante a essas mesmas populações e se tornam,
por assim dizer novos tutores de parte dessas sociedades, pode chegar o momento
de que se questione a própria importância e necessidade do governo. Mais ainda,
sabendo que em tempos de política globalizada os principais financiadores de
campanha são as próprias grandes organizações, onde o eleito de algum modo se
torna ao menos parcialmente refém dos interesses de seus financiadores de
campanha, posto que sua reeleição correria o risco de ficar sem o devido
financiamento. Mesmo a figura do governante não passa mais do que figura
caricata. Função análoga à da rainha da Inglaterra.
Visto a partir dessa perspectiva pode-se conjecturar uma eventual mudança
dos contornos políticos e geográficos do planeta como um todo. O próprio
nascimento do modelo capitalista, que ocorreu concomitante com a independência
americana e a revolução francesa, marcou, por assim dizer, uma mudança profunda
dos contornos geográfico-políticos do mundo. A instauração de Estados autônomos
ou de federações de Estados redesenhou o planeta e as cartilhas escolares. Que
imagem e contornos poderiam condizer com sociedades tuteladas por empresas
privadas? Imaginemos, por exemplo, essas duas empresas citadas linhas atrás.
Admitindo que essa iniciativa se estenda a todos os países onde essas empresas
atuam, e se exerça em parcelas expressivas da população desses mesmos países,
teríamos sob a mesma tutela, brasileiros, argentinos, venezuelanos, norte-americanos,
africanos e tantos mais quanto o campo de atuação de cada uma dessas empresas
ao redor do planeta. Uma sociedade de mesma identidade, ideais e tutela
esparramadas por diversas partes do planeta parece romper com as linhas
geográfico-políticas que conhecemos hoje. A imagem não permite o
estabelecimento de contornos físicos. Os contornos são meramente conceituais.
Seriam talvez sociedades privadas de
um mesmo tutor. As taxações alfandegárias acabariam por perder o sentido. Governos
talvez fossem necessários, mas acabariam por ter seu exercício e influência
reduzidos, do mesmo modo que o papel dos Reis nas monarquias parlamentares
atuais. O produto interno bruto (PIB) acaba por ser o resultado da empresa Holding?
Quem definiria as diretrizes da educação? Quem definiria as leis?
Não se trata de mera alucinação, mas da transposição de uma mudança
profunda que ocorreu na história com a virada de um modelo econômico feudal
para um modelo capitalista. Ora não foi de uma hora para outra que essa mudança
se deu. Muitos eventos conspiraram ao longo do tempo para marcar essa mudança.
Hoje vemos governos desacreditados, populações desassistidas e grandes
conglomerados empresariais que detêm poder e capital maior do que muitos
países. Com mais chances de oferecer benefícios e recursos, mais ainda
eficiência administrativa para gerir tanto negócios quanto para a coisa
publica. Se essa coisa pública transformar-se em privada e lucrativa, mas ainda
haverá interesse nessa transformação.
sábado, 8 de junho de 2013
Propriedade privada ou produtiva?
(Por Jadir Mauro
Galvão)
Rousseau apontou a propriedade privada como
sendo o fator preponderante para a origem das desigualdades entre os homens. Em
seu discurso homônimo ele diz:
O
primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e
encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador
da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores
não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando
os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: "Livrai-vos de escutar
esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a
terra de ninguém !"
Sua
linha geral de pensamento, não exatamente esse, mas, sobretudo a questão da liberdade, igualdade e fraternidade, exerceu
profunda influência na Revolução francesa, e esta tem sido marcada por muitos
como a data de nascimento do nosso atual estilo de vida: o capitalismo. Por
outro lado, creio que foi exatamente esse pensamento que estimulou Karl Marx a
questionar a legitimidade da propriedade privada. Mesmo Proudhon deve ter sido
tocado por Rousseau quando afirmou: “A propriedade
privada é um roubo.”. E disso nasceram as ideias de comunismo e de
socialismo. Na primeira pensa-se que a propriedade é comum, isto é, de todos, na
segunda, a propriedade é do Estado que a dispensa ao seu critério para todos. Contudo
talvez se tenha lido apressadamente a ideia de Rousseau. Ele nos fala que os
frutos da propriedade são de todos, mas que a terra não é de ninguém. O problema
não está na ideia de privado, mas
mesmo na ideia de propriedade.
Por
outro lado, uma vez que instituiu-se desde há muito tempo a ideia de
propriedade privada e esta se entranhou com tamanha força em nossa consciência
e, tendo muitos realmente trabalhado com esmero e afinco no intuito de obter
propriedades, creio que não seria justo mudar radicalmente as regras do jogo e
confiscar propriedades indiscriminadamente. Por outro lado, lembro-me de ter
lido sobre uma pesquisa – só não lembro onde - a respeito do déficit habitacional
na cidade de São Paulo. A pesquisa dava conta de que “não havia déficit”. A
demanda reprimida por imóveis poderia ser atendida apenas pela mesma quantidade
de imóveis que hoje estão “fechados”.
De
fato, circulando pelas ruas da cidade vemos uma enorme quantidade de imóveis
com placas de “vende-se”, “aluga-se” e mesmo outros tantos abandonados. São
imóveis residenciais e também muitos comerciais que enfeiam a cidade sendo
pichados, depredados, servindo de esconderijo - e não moradia - para desocupados
ou mal-intencionados. São imóveis que poderiam estar servindo de “Lar” para
muitas famílias, ou mesmo gerando trabalho, renda, oportunidades e serviços
para uma boa parcela da população. Contudo estão fechados prestando verdadeiro
desserviço a todos.
Nesses
casos, penso que poderíamos ao menos “atualizar” a ideia de propriedade
privada. Se houve, a custa de algum empenho e dedicação, a aquisição privada de
determinada propriedade, ela não pode eximir seu proprietário de novo e
reiterado empenho e dedicação no sentido de mantê-la. Neste caso poderíamos repaginar
essa ideia num conceito de “Propriedade produtiva”. Para que se tenha e se
mantenha uma propriedade privada ela deve ser, de algum modo, produtiva, isto
é, prestar algum benefício para a sociedade, em parte ou como um todo.
Propriedades fechadas, depredadas, poderiam, então, ser confiscadas e entrar em
licitação para que voltassem a ser produtivas. Abrigar alguma família,
tornar-se uma pequena fábrica ou empresa de prestação de algum serviço para sociedade.
Eu
mesmo conheci diversos pequenos e até médios empreendedores que esbarravam na
questão de local. Ou não deram apropriados ou caros demais, inibindo, assim
aquilo que poderia ser a geração de emprego, renda, dignidade e progresso para
inúmeras pessoas de bem.
Claro
que não podemos fazer vista grossa para o fato de que, se muitos imóveis estão
em estado tão desleixado, não é por mera vontade ou puro desleixo de seu
proprietário, mas talvez, muitos demonstrem alguma sazonal crise financeira,
mas a ideia de propriedade produtiva não se inviabiliza por esse fator. Pelo
contrário, estimula um saudável desapego, tanto quanto o trabalho. Aquele que “perdeu”
determinado imóvel pode, num segundo momento, “ganhar” outro e zelar para que
ele preste tanto serviços à população quanto também colabore para embelezar a
cidade e inibir a criminalidade.
terça-feira, 23 de abril de 2013
Sobre corrupção e distância.
Hoje vivemos o momento da Lei da ficha limpa,
da execração de políticos corruptos. Por outro lado, a velha máxima do
malufismo do “rouba, mas faz”, talvez
ainda não tenha sido ultrapassada. Eticamente, deveríamos execrar a figura do
político corrupto ou ele representa uma parcela da população também corrupta e
que só não se faz ver devido à falta de oportunidade?
Esta
é uma questão que proponho para meus alunos de filosofia e ética. Analisá-la
não é tarefa das mais simples. Facilmente caímos em julgamentos prematuros, sem
chegar ao cerne da questão. Procuro encaminhar a análise ética pela busca dos
valores ou dos princípios que teriam a capacidade de justificar, ou ao menos de
nos fazer tolerar a conduta corrupta. Apressadamente cairíamos em algum
julgamento do caráter do corrupto e do corruptor, como indivíduos
desqualificados, egoístas, mau-caráter, numa palavra: de índole má.
Contudo
para que se possa postular uma índole má precisamos dizer que existe um mal que
rege esse indivíduo. Isso nos coloca diante de um problema, para lá de
complicado. Santo Agostinho já nos disse que o mal é somente carência de bem e,
portanto, não existe um mal em si. Então que valor poderia justificar uma
conduta desse tipo?
Em
nossa sociedade capitalista, sabidamente oferecemos bastante importância para
algumas coisas comuns em nossa cultura: lucro, individualidade, acumulação de
recursos, dinheiro, sucesso, vitória, prestígio entre outros tantos dos ditos, signos distintivos de nossa época.
Aquele que rapidamente aproveita as oportunidades de negócio que estão ao
alcance é chamado de esperto. Aquele
que usa inteligentemente de argumentos para colocar-se em vantagem em alguma
negociação tem sucesso. Quando
compramos um produto qualquer, abaixo do seu real valor e vendemos acima,
fazemos um bom negócio. Todas essas
são condutas socialmente aceitas. Mais do que isso, são completamente legais.
Um
bom negócio aqui, um belo lucro lá, uma esperteza acolá e nos sentimos
confiantes para arriscar o ganho excedente em transações mais ousadas. Daí a
chegar ao nível das grandes oportunidades, aquelas que nos recompensam com
polpudas boladas é só uma questão de tarimba e sangue frio. Diferenciar a
estreita e quase invisível linha que separa o grande negócio do negócio ilegal
é tarefa das mais complexas. Mais ainda, quando pelo receio de sermos
desonestos não fechamos algum grande negócio e vemos que um outro qualquer, sem
titubear, ganhou a bolada sem o menor risco e ficamos com a cara de bobos. A
feição de corrupção parece que vai se atenuando à medida que vamos nos
habituando e indiferenciando o arriscado do desonesto. A corrupção parece ter
cara mais feia quando vista de longe. Quando vista de perto ela se assemelha ao
sucesso, ao arrojo ou á vitória.
Por
outro lado sabemos que, para os cargos legislativos e executivos os políticos
são democraticamente eleitos pelo voto popular. Portanto são legítimos
representantes do povo. Também sabemos que a maior parte da população não
diferencia “denúncias” de corrupção da própria corrupção e também confunde
corrupção com intriga da oposição. Acabamos
por generalizar: todo político é corrupto.
A diferença é que alguns fazem alguma coisa, outros não.
A
dificuldade desse cenário é que nele existem as condições perfeitas para a
produção de um determinado tipo de “bolor” social. A indigência, a mendicância
e a violência. A caridade é bem vista em nossa sociedade, mas não seria
necessária se todos tivessem condições dignas de vida. A indigência é
subproduto natural da exclusão social. Vemos, ao perambular pelas ruas, pessoas
famintas distantes uma parede ou uma porta do alimento. Vemos pessoas com frio
a um muro de um abrigo. A solidariedade requer condições propícias para se
manifestar e não é no mundo dos negócios. Nesse meio ela é signo de
fragilidade.
Basta-nos
manter a pobreza a certa distância e a capital em Brasília para podermos
protestar contra os malfeitores, assegurar nosso sustento diário e um bom
negócio eventual sem sentir enjôo do mau cheiro da indigência.
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
Sistema capitalista
Há algum tempo venho pensando sobre como será o mundo pós-capitalismo.
Muito se comemorou a queda do muro de Berlim. Fato emblemático que permitiu a
reunião de pessoas que se mantinham separadas por muros dentro de uma mesma
cidade, falando o mesmo idioma, rezando o mesmo credo, mas separadas por ideologias diferentes. As segregações
raciais ainda existentes ao redor do mundo parecem também se dissolver pouco a
pouco. África do Sul, Iraque, a antiga Iugoslávia... os muros estão sendo
derrubados ainda que timidamente. As recentes rebeliões, aparentemente buscando
liberdade no oriente médio vêm oferecendo novos contornos ao mundo. Por outro lado, o fim da Guerra fria, também fez
acabar com a ajuda mútua entre os países capitalistas. Nós, países em
desenvolvimento ganhamos e perdemos com isso. Ganhamos o fim das ditaduras
militares, historicamente financiadas pelos países ricos que temiam que o
“comunismo” se alastrasse para além da Cortina de ferro enamoradas dos antigos
regimes populistas. Ganhamos uma pretensa democracia, novos populismos. O
upgrade na categorização de “Terceiro mundo” para “Em desenvolvimento”.
Ganhamos uma autonomia para cuidar de nossas próprias contas e controlamos a
inflação.
Todavia, o processo de
globalização se tornou predatório. Produtores de rúcula, agrião, almeirão e
chicória passaram para a monocultura do alface “macdonaldizado”. Bancos de lá e
de cá foram engolidos pelos grandes. Empresas de vários ramos de atividade
foram tragadas por conglomerados multinacionais com sedes nacionais ou
internacionais (pouco importa!), ceifando centenas de milhares de postos de
trabalho exigindo que os profissionais se reinventassem ou se tornassem
“terceiros”. Por sorte a tecnologia e os cursos tecnológicos surgiram para
suprir uma demanda crescente por mão de obra pouco mais qualificada. Ainda que
em nossa economia brasileira um progresso represado durante anos possa agora
ser experimentado sazonalmente, não podemos nos enganar e confiar que estamos
imunes aos sobressaltos das crises econômico-especulativas que fazem muitos ao
redor do mundo apertar um ou outro buraco do cinto.
Países inteiros em crise, pois a
torrente financeira ascendente que marca a pirâmide social, aliada a incertezas
dos mercados. Faz o capital de investimento que poderia irrigar a base da
pirâmide descer timidamente e somente como capital especulativo. Recolhendo-se
em sua maioria nas mãos privadas dos endinheirados. Essa situação não tem como
perdurar por muito tempo. Penso que já sejam observáveis fissuras nas colunas
de sustentação do próprio sistema capitalista. Não se trata de qualquer tipo de
catastrofismo escatológico, mas de vislumbrar que o próprio capitalismo nasceu
em meio a crise similar experimentada em regime ainda essencialmente feudal
dando sinais claros de fadiga.
É que a maior parte de nós
nasceu, cresceu e viveu mergulhado até o pescoço no capitalismo e, por falta de
alternativas emergentes ainda soa epistemologicamente como verdade absoluta.
Ledo engano! Peter Drucker nos diz que:
“A
cada dois ou três séculos ocorre na história ocidental uma grande
transformação. [...] Em poucas
décadas a sociedade se reorganiza – sua visão do mundo, seus valores básicos,
sua estrutura social e política, suas artes suas instituições mais importantes.
Depois de cinqüenta anos, existe um novo mundo. E as pessoas nascidas nele não
conseguem imaginar o mundo em que seus avós viviam e no qual nasceram seus
pais.“
Penso que esse limiar de transformação está
ocorrendo agora e em breve o capitalismo sucumbirá sendo sucedido por uma nova
organização social, uma nova mediação social que não o capital e onde os
binômios trabalho-remuneração e produção-lucro serão substituídos por
contribuir-usufruir em mesma medida.
As empresas no paradigma atual
visam essencialmente o lucro, mas se não houvesse mais o lucro haveria razão
delas existirem? Para muitas penso que sim! Uma indústria de alimentos ainda
teria um propósito e penso que ainda competiria em qualidade de produto com seu
concorrente para que o produto a ser consumido fosse o seu e não o do
concorrente. Uma indústria farmacêutica séria deve ter consciência de seu papel
social. Mesmo não almejando o lucro penso que a Adidas gostaria de ver seu
material esportivo vestindo uma porção de gente e não os da Nike e vice e
versa. Modificaria a mediação social.
Hoje a mediação social entre
pessoas, empresas ou governo é feita essencialmente por dinheiro. Compramos
produtos e se não temos dinheiro (ou cartão de crédito!), não compramos.
Moramos em nossas casas, mas apenas se pagamos os impostos para o governo.
Chegamos ao absurdo de sequer nos relacionarmos com pessoas se elas não forem,
em algum momento, interessantes financeiramente para uma recolocação
profissional ou coisa que o valha. Amigos se transformaram de modo chic em
network. Nós mesmos com raras exceções so trabalhamos ou contribuímos mediante
remuneração (ou outro interesse!). Penso que os dias da mediação pelo capital
não sejam longos. Os ares da nova era nos inspiram a superar a mesquinhez.
Precisaremos aprender a viver em um mundo novo. Mas penso que teremos mais a
ganhar em humanidade do que perder em dinheiro!
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
Hábitos de consumo!
Geladeira, fogão, ferro elétrico, máquina de lavar roupa, celular... Todas essas coisas são classificadas dentro
da economia como “bens duráveis”. Contudo, ultimamente eles não andam durando
muito! Por mais que estejamos satisfeitos com nosso moderno aparelho de
celular, ao cabo de pouco mais de um ano, se tanto, ele dará seus evidentes sinais
de esgotamento. A bateria já não segura carga e o aparelho desliga no meio da
ligação, ou então sua carenagem já apresenta riscos que o enfeiam, ou somente
porque ele não está mais na moda. Claro, poderíamos adquirir outra bateria,
trocar a carenagem, mas muitos sabem que para efetuar tais reparos ficaria
“quase” o mesmo preço de um aparelho novo e mais moderno. Então trocamos. O
mesmo vem se dando com outros tantos bens duráveis. As peças do motor ou do
mecanismo de funcionamento de geladeiras e máquinas de lavar roupa, após seu
desgaste natural (ou proposital!), precisam de reposição. Em muitos casos
somando-se mão de obra e tudo mais, a manutenção fica financeiramente inviável.
Essa é uma guerra entre produção e consumo que não se dá em pé de igualdade. Os
aparelhos são feitos para ter uma duração pequena para podermos voltar a
consumir o produto novo girando a economia. Não fosse apenas o problema de
produzir lixo de lenta decomposição, impossível reutilização e de difícil
reciclagem. O próprio fato de sermos manipulados já é revoltante. Acho que esse
é um ponto central no fraternalismo. Acho que uma nova postura deveria ser a de
recuperar a todo custo nossos bens duráveis. Consertar, consertar até realmente
não dar mais, mas, sobretudo, mapear as empresas fabricantes para que elas
mesmas durem tanto quanto seus produtos. Uma empresa que fabrica bens que não
duram, também não deveria durar! Esse seria um grande “selo verde” de
consumidores conscientes. Claro, que precisaríamos mudar também nossa postura.
Falamos em reciclagem e até jogamos nossas garrafinhas e latinhas no lixo
reciclável, mas não reutilizamos. Uma mesma garrafinha pode ser usada por
bastante tempo, mas logo vai para a reciclagem sem antes ser reutilizada para
outros fins.
Não se trata de refrear os avanços tecnológicos, mas de ter um consumo
consciente. A maioria das pessoas que tem notebooks ou celulares sequer
utilizam 30% do potencial que a tecnologia oferece. Se a tecnologia é
interessante e nos proporcionará um benefício compensador. Tudo bem! O que não
podemos é ficar refém de uma compulsão pelo consumo. Ficar passivos ante a uma
descarada manipulação! Claro isso irá exigir que olhemos para nossa televisão
“velha” por mais alguns anos. Que nosso divertimento de explorar o celular novo
fique para mais pra frente, mas pense bem: O aparelho que apenas sai da sua
frente não deixa de ser problema seu. O que é feito desse aparelho? Será que se
rastrearmos suas peças não as encontraremos em algum rio ou em algum lixão por
ai em algum ponto daquela montanha de coisas mal descartadas, poluindo o lençol
freático? Que confiança você tem de que o seu lixo será descartado
ecologicamente? Não temos como garantir isso então que tal refrear nosso ímpeto
de consumo somente a produtos realmente duráveis feitos por empresas também
duráveis?
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
Que droga!
Noite calma; pai e mãe já em casa prontos para os eventos imperdíveis: jornal e novela! Já temos enorme prática e não sentimos a menor dificuldade em encontrar a boca com o garfo, portanto o jantar não é problema e não requer atenção especial. Crianças ou adolescentes devem se contentar com atenção oferecida no período dos intervalos. A TV funciona como um anestésico. As aflições comuns, diárias parecem arrefecer ante esse milagroso placebo de projeções multicoloridas. As imagens agem em nossa mente como um ópio que amortece a pressão exercida pelas exigências diárias. Um relaxante mental e muscular ou senão uma droga lícita! Exigências de prazos, compromissos, muitos deles indesejados, cronogramas, tarefas que nos extenuam ao longo do dia a tal ponto que nossos próprios pensamentos são banidos para não onerarem o sistema.
Esse é um cenário tão típico, compartilhado por milhares, senão milhões de pessoas que é fácil reputá-lo como normal. Todavia essa normalidade pode ter um preço alto quando vistos pelo olhar das crianças ou dos adolescentes que podem eventualmente necessitar de um algo mais, coisa do tipo: sentir dentro de si algo que soe como aceitação, reconhecimento, valorização; algo como um sentimento de pertencimento! Interromper figuras que nos são tão caras em seu momento de deleite pode ter como resposta um “calaboca!”; um “perumpouco!”; um “agoranão”.
O preço disso pode vir na forma de um boletim cheio de notas vermelhas, na desobediência nossa de cada dia ou somente num olhar apático de pura frustração por não ter saciada sua sede de pertencimento. No caso do boletim, podemos usar para com nossos filhos o mesmo expediente do qual somos vítimas: a pressão! Afinal de contas a vida deles é mole, só estudam, nada mais justo! Tem todo o tempo do mundo. Não são como nós que não temos tempo para nada! Isso é bom para ele sentir na pele como é estar pressionado! Essa parece ser também uma prática normal! Contudo é também a mesma prática que onera o sistema e ai nossos pequenos vão para a rua e acabam por encontrar o simpático grupo de “perto da escola”. Acabam tendo uma boa recepção, boa acolhida e todos percebem que o pequeno está meio acabrunhado, mas nada que um “deixa pra lá vamos experimentar unzinho!” não possa resolver! Depois de experimentar um ele passa a fazer parte do grupo (pertencimento). Se experimentar dois ele é o “o cara” (reconhecimento), se forem três já vira “meu brother” (valorização). Disso, para ele conhecer o fornecedor da parada é um pequeno passo.
Podemos pensar: “Tudo culpa desses vermes desses traficantes!”. Isso também soa bastante normal! Mas fazendo o exercício de buscar enxergar o panorama pela ótica do traficante o cenário pode ganhar outros contornos. Não tendo nascido em uma casa de bacanas; não podendo estudar em colégio de bacanas, que alternativas capitalistas lícitas restariam para esse individuo? Um sub-emprego com uma remuneração pífia que certamente não lhe renderiam uma vida bacana! O meio é competitivo e para jogar o jogo dentro das regras é preciso ficar ao menos um bom tempo sob o jugo dos bacanas para ter uma remota possibilidade de se tornar um. Mas para jogar “fora” das regras muitos dos bacanas (ou ao menos seus filhos!) ficariam sob o seu jugo. Jogo de poder e força, tanto quanto outros tantos que se vêem em outros círculos sociais.
Da parcela de pecado de todos fica então assim acordado que o bode expiatório é o maldito traficante! Esse maldito tão bendito que expia nossa culpa! Esse ser sem face capaz de receber em seu alforje toda a culpa de uma sociedade que troca os pés pelas mãos e já não pode ou não sabe mais abraçar, conversar ou sorrir. Uma sociedade que fomenta a competição e não a cooperação. Que faz do outro mais um inimigo a ser vencido do que um próximo para estender a mão! Que faz de um filho um empecilho ao nosso tão necessário e merecido descanso!
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
O Homem: Potencialidade e efetividade.
A partir do momento em que o “ser humano civilizado” travou contato com as ditas comunidades “primitivas” que viviam sem roupas, comiam carne crua e muitas até carne humana, surgiu a dúvida: o que distingue o homem do animal? Esses povos primitivos tinham determinados comportamentos tidos como animalescos, contudo, outros eram bastante humanos. Ao nos depararmos com esse dilema sobre o que define o homem, muitos lançaram suas hipóteses. Uns naufragaram na nau da mesmice outros naufragaram na nau da soberba.
Fato é que após Darwim a nocão de homem ficou em suspenso – sem culpa nenhuma do próprio Darwin – e temos somente pequenos ensaios.
Arrisco-me agora a propor um critério: agentileza indistinta! O Mundo contemporâneo nos instiga a competitividade, mas para que? O mesmo mundo contemporâneo se envaidece de sua praticidade. Tudo tem um propósito, é prático, mas qual é o objetivo da competitividade? Que se coloquem inúmeras teorias para responder essa pergunta o que mais salta a vista é o lado prático da competitividade. Na pratica competitividade gera um ganhador e uma horda de aborrecidos prontos a conspirar contra o ganhador somente para que este não ganhe novamente. Caso o conluio seja bem sucedido, teremos os primeiros derrotados novamente se acotovelando para ocupar a vacância do primeiro lugar. Ai o círculo se fecha e o embate volta ao seu inicio: um vitorioso e um monte de derrotados. Atitude típica de animais para ver quem será o “macho alfa”. Aquele que ficará com as fêmeas (ou machos) do grupo; que ficará com a maior fatia do alimento ($) deixando o “resto” aos derrotados.
Existe, contudo uma potencialidade dentro do ser humano: a gentileza! Todavia, conhecemos muito pouco dessa potencialidade. Traduzimos gentileza em ceder o lugar; ou em expressões do tipo “obrigado”; “por favor”; mas isso são apenas pequenas pistas do que realmente é gentileza. Em tempos de vacas gordas todos são amigos. Choppinho no bar da moda; disputa para ver que saca mais rápido o cartão de crédito para fazer bonito… O problema surge quando as vacas estão caminhando ordeiramente para o mais profundo brejo! Não há saída! Precisamos salvar nossa pele! É nesse momento que o “animal” aparece!
Falando francamente: quantas vezes você realmente teve que salvar sua pele (realmente e não metaforicamente)? Ocorre quase sempre uma pequena confusão entre a realidade e a metáfora. Agimos como se estivéssemos salvando nossa própria pele – coisa de vida ou morte -, quando ela realmente não está em risco! Apenas nossos medos trouxeram à tona uma animalidade irracional e que nos fez agir de modo estúpido. Sim estúpido, pois se nossa ação tivesse algum tipo de respaldo do instinto que nos obriga a agir imediatamente frente a um perigo real estaríamos por ele respaldados. Contudo, foi somente uma resposta impensada e irrefletida: estúpida!
Confine um bom tanto de pessoas em um dos nossos famosos “Big brother’s” e veremos vários gestos puramente animais. Todos querendo salvar a própria pele! (R$1.500.000,00).
Gentileza é enxergar através de toda essa animalidade. É ver que por traz dessas atitudes ferozes e selvagens existem seres humanos! Gentileza é ter a nítida compreensão de que não há nenhum risco de morte eminente e que podemos escolher se vamos nos portar como animais ou como seres humanos. A gentileza é uma potencialidade, mas ela fica em segundo plano, pois a visão que vulgarmente temos do mundo é a da competitividade. O mundo se apresenta sempre como um sinal de perigo. O que precisamos afastar é essa visão distorcida do mundo e vê-lo como realmente ele é. Salvo raríssimas exceções o ser humano comum nunca enfrentou um único perigo de vida e morte em toda sua vida que justifique uma atitude com tal grau de animalidade diária.
Torna-se agora uma questão de escolha.
Veja o mundo como ele realmente é e não através do espesso filtro dos seus próprios medos.
E a gentileza poderá transformar-se em efetividade, mais do que somente um recurso humano armazenado em nossas poeirentas prateleiras de potencialidades genuinamente humanas
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Acensibilidade!
Não, não esta
escrito errado! Esse foi somente um truque, um meio que encontrei para chamar a
atenção para alguns fatores que considero bastante importantes: acessibilidade e sensibilidade em primeiro plano e especialidade em segundo.
O conhecimento
em nosso tempo é caracteristicamente fragmentado. Temos, cada dia mais,
especialistas em determinados campos bastante específicos. Especialista em
torção de porcas de rosca torta de 8/34 de polegada com rosqueadeira de mira a
laser com lente de aumento de 24x angulada. Brincadeirinha! O fato é que nosso
conhecimento está tanto mais específico quanto fragmentado. Perdemos a
articulação, a vinculação de um conhecimento com outro. Cada um cuida de sua
própria especialidade e em alguns casos o “todo” não se encaixa.
Na São Paulo de
épocas natalinas vemos nos letreiros de vários ônibus a inscrição “Boas Festas!” se alternando com o
letreiro que oferece o destino final e seu número de código. Lampadinhas
pontilhadas se entrelaçando umas nas outras que vistas de longe e em movimento
transformam-se e verdadeiros borrões ilegíveis. Os míopes ocasionais – aqueles
que precisam de óculos, mas resistem em usá-lo em público -, apertam seus olhos
para tentar em vão ler o letreiro e quando danado chega ao limiar da distância,
onde restariam alguns milésimos de segundo para ler o letreiro e saber qual o
destino do coletivo para darmos o sinal de parada lemos: “Boas festas!”. Certamente essa não é a expectativa, tampouco o
destino do usuário. Alguma boa alma, quiçá tendo lido sobre marketing institucional teve a brilhante
idéia do letreiro, mas não teve a sensibilidade
de se colocar no lugar do passageiro e se dar conta da dificuldade que a
luminosa idéia poderia provocar.
Contudo, digamos
que o míope leitor tenha tido a sorte de flagrar o que realmente queria e seja
realmente esse destino que lhe interessa. Dá o sinal, o ônibus pára e sendo ele
um cidadão típico, de estatura mediana, terá certamente - mesmo gozando de
plena saúde física -, severas dificuldades de adentrar ao coletivo. Isso porque
a altura do degrau é, em geral, bastante bem elevada. Não obstante, tendo
efetuado o hercúleo esforço de escalar os degraus, ao se desgarrar por um breve
instante das barras de segurança apenas para acessar o bolso e pegar seu
bilhete para o pagamento da passagem, entra novamente em apuros, pois, o
motorista que seria aprovado com louvor na prova para transporte de fardos de feno, arrancou com seu veículo projetando o
incauto passageiro na direção da roleta.
As autoridades buscam minimizar as dificuldades de
acessibilidade criando secretarias especiais. O produto do trabalho
especializado, ao menos em Sampa salta os olhos. O transporte coletivo dispõe
de assentos reservados a idosos, gestantes, e portadores de necessidades especiais.
Já existem vagas de estacionamento prioritárias. A cada esquina de ruas
movimentadas vemos pisos tácteis em socorro aos deficientes visuais, guias
rebaixadas permitindo autonomia aos cadeirantes, mas como disse antes o todo
não se encaixa. As dificuldades que relatei no início não incidem sobre a
parcela da população com necessidades especiais, mas sobre todo o restante com
necessidades comuns. Não temos apenas um problema de acessibilidade, mas de sensibilidade.
Se as demais secretarias deixam ao encargo das secretarias especializadas o
problema de acessibilidade elas mesmas se desoneram da preocupação. Com isso
vemos pelos diversos corredores de ônibus espalhados pela capital, enormes
plataformas elevadas sem nenhuma utilização e que se transformaram
desnecessariamente em obstáculos adicionais aos transeuntes.
Que exista a
necessidade de especialistas em acessibilidade, mas precisamos todos ter a
sensibilidade e retomar para si a preocupação com o outro. Não se trata de
consultar a secretaria especializada, mas de nos imbuirmos todos da
sensibilidade da consideração. Não há que se criar todo um projeto para
posteriormente efetuar as adequações de acessibilidade, mas permitir que a
sensibilidade permeie o projeto de cima a baixo do inicio ao fim. Também não se
trata de criar leis ou normas que devem ser seguidas à risca. Tampouco se trata
de um ônus exclusivo das autoridades, mas de experimentarmos sentir na própria
pele a dor do outro. Temos o costume de dizer: - Eu fiz minha parte! Acreditando que se cada um fizer sua parte uma
se encaixa na outra e assim constituímos um todo. Mas não se tratam de partes,
mas sim de visões parciais e limitadas do todo. Visões parciais sem
necessariamente limites restritos ou isolados. Nesse caso a “minha parte” invade,
se mescla, se confunde, impacta a parte do outro, tanto quanto a parte do outro
afeta a minha. Minha parte não se dá por concluída sem a parte do outro. Se a
sensibilidade não atravessar a ambos as partes não vão se encaixar no final.
Teremos com isso obras monstruosas apenas fruto de encaixes mal feitos.
sábado, 25 de junho de 2011
Apartheid social
Tempos idos o Gov. Mario Covas criou o "Legal" era um tipo de dinheiro que voce comprava e dava de esmola na rua para os pedintes. Com esse Legal o pedinte podia ir a um local de assistência social, tomar banho, tomar uma refeição, dormir e ir embora quando bem entender. Hoje, pelo que eu saiba, esse programa não existe mais. O dinheiro pago pelo legal era totalmente destinado a instituições assistenciais. Desde então deixei de dar esmolas na rua. Meses atrás viajando de carro com um amigo parei na estrada em um restaurante conhecido para comprar queijo fresco. Lá encontrei uma senhora, com uma criança pela mão, cerca de 10 anos e um bebe no colo. Não demonstrava estar perambulando errante pelas ruas. Dirigindo-se a mim em tom bastante peculiar, quase me intimou a pagar-lhes uma refeição. Não se tratava de um pedido, apelo, súplica de algum necessitado. Soava como uma intimação. Observei o cenário e pronunciei um suave, gentil, porém irretorquível Não! Segundos depois, esse amigo, bastante religioso, caridoso, consternado me argüiu sobre meu gesto, tanto pela negativa, quanto pela serenidade. Expliquei à ele que a atitude da senhora foi por demais corriqueira. Demonstrava ter bastante experiência nesses assuntos, de modo que parecia habituada a ter sucesso em suas abordagens. Todavia, essa atitude poderia ter a capacidade de transformar-se em aprendizagem para as crianças. Uma vez coberta de êxito, poderia traduzir-se em conduta socialmente aceita, tanto quanto atitude bem sucedida e, com isso, produzir mais duas mendicantes habituais, senão, profissionais.
Em prol da erradicação dessas diferenças sociais eu faço, caridosamente, aquilo faço melhor, pensar, e fazer pensar. Escrever, debater, falar o quanto mais e para o maior número de pessoas puder alcançar. Por isso mantenho o blog: http://fraternalismo.blogspot.com/, onde busco debater essas questões por diversos ângulos. Todavia, hoje eu gostaria de indicar uma dessas instituições quando abordado por alguém que necessite, mas confesso não sei onde elas estão. Alguém conhece alguma relação dessas instituições? Tanto para auxiliar quanto para indicar aos que dela necessitem? Esse seria um maravilhoso serviço prestado por todos.
Caso consiga uma relação dessas instituições, me comprometo a criar e manter uma página no Facebook para divulga-las. Não creio que seja o Estado o único responsável por cuidar dos que não conseguiram prosperar dentro do competitivo mundo capitalista. Cada gesto fraternal pode ser bem vindo, mas algo que vise a erradicação desse apartheid social e não um gesto que retroalimente ou mesmo fomente a mendicância.
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